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domingo, 31 de outubro de 2010

Olha que a chuva nem atrapalhou


Seria simples. Três anos, convivência diária... Não estava a fim de tomar um suco de laranja, a biblioteca parecia uma boa. Sob o assédio das insistentes gotas que teimavam em nos encharcar, displicentemente o Rogério Barbosa assobiava “Sing in the Rain” a caminho da biblioteca. Toda a poesia que a chuva poderia ter se esvaía ao sentir os pés molhados dentro dos sapatos. Enfim, chegamos. Rodeados por livros empoeirados e solitários, avançamos à uma pequena e abandonada mesa nos fundos. O único ser ali presente no corredor logo sumiu como que por encanto, aumentando ainda mais a sensação desértica do local. Acompanhados por uma pilha de livros de direito dispostos sobre a mesa (e bota livro nisso), o formando em jornalismo logo revelou sua empatia com a disciplina: “argh! Detesto direito, detesto jurista”, disse tirando a pilha de livros, deixando apenas um, demonstrando uma nova função para livros de direito: base para notbook.
“Eu não odeio o direito, na verdade. Odeio jurista”. Disse com convicção e com característico déficit de atenção, apesar de sua irmã ser advogada. “Não gosto por causa da extrema racionalidade deles. A lei foi feita pra quem é rico, não para o pobre. E pra fuder a classe ‘mérdia’”. Rogério muda de assunto com hilária facilidade.
“É... Faltam cinco minutos para fechar, só pra avisar”, disse um funcionário da biblioteca que a minutos estava capturando livros perdidos nas mesas vazias e os colocando em uma espécie de carrinho. É, ele teve trabalho pra retirar a pilha de livros de direito que Rogério deixou na outra mesa. Bibliotecas têm dessas coisas. Coisa desértica, que expulsa, quente. Até o livro de calço do notbook do Rogério levaram. O que não o impediu de continuar. “Tinha que ser que nem em Portugal, que é faculdade das leis, não de direito, porque aqui de direito não tem nada”. Apesar do assunto querer fluir e do silêncio gritar cada vez mais aos nossos ouvidos, as luzes foram sutilmente apagadas. Se é que dá pra ser sutil pra expulsar pessoas. Tudo bem, os funcionários queriam ir embora.
“Captain, oh my captain” disse Rogério a famosa frase tão bem proferida por Robin Williams em “Sociedade dos Poetas Mortos”. É, biblioteca inspira. Mas, apesar de tudo, o silêncio fez-se bem mais presente do que diálogos. Talvez pelos três anos. Talvez pelo ambiente desértico. Só sei que não estava a fim de tomar um suco de laranja.


Inayá Borba

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